sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

Reclamando de Barriga Cheia


Num desses dias que a gente amanhece chateado com tudo e todos, precisei resolver problemas na CEF da Miguel Couto. A dificuldade para conseguir estacionamento foi a gota d'água. Já subi a rampa da Caixa reclamando de tudo. Ao chegar à porta, fui impactada pela alegria e animação com que um anciã, portadora de lábio leporino ( cientificamente fissura labiopalatal) cantava e cumprimentava as pessoas que entravam no banco.

Nesse momento percebi o quanto estava sendo ingrata com Deus e com a vida. Meus problemas e dificuldades nem por longe se pareciam com o daquela mulher. Doei algumas moedas, esqueci a pressa e passei a conversar com a anciã. Seu nome Maria da Paz. De onde vem ? Marcos Moura/Santa Rita. É bem verdade que, em meio à agitação das calçadas, nem sempre é vista. Talvez percebida quando atrapalhava o passo de algum adulto de agenda e paletó. Maria, enquanto não ganhava moedinhas, divertia-se olhando sapatos e sandálias de cores e modelos variados passarem do seu lado.

Sabe Deus a hora que Maria sai de casa. Quem sabe com fome, desce as ladeiras do bairro Marcos Moura em Santa Rita, toma o ônibus que dá acesso à João Pessoa. Aquele percurso é por demais conhecido, tornando-a capaz de identificar todos os postes. De segunda à sexta, em horário comercial, Maria está lá, sentada no seu banquinho, cercada de sacolas de plástico com comida suficiente para aguentar até o final da tarde. Perguntei-lhe o porque dela estar alí todos os dias com aquela idade. Ela associa, suas andanças com a triste questão da sobrevivência. Mas essa Maria não é triste.

Muitos estão em diversas instituições sociais discutindo o problema do idoso, através de estudos profundos, que resultem em mudanças substanciais, com vistas à justiça social. Levantam as vozes em favor dos miseráveis , defendem teses e vão a seminários discutir os seus problemas. No dia– dia, porém, no contato corpo-a-corpo, em que o mau cheiro incomoda e em que, principalmente, o pedido cara a cara exige mais do que uma simples resposta evasiva, todas as teorias caem por terra e todos os conceitos desmoronam.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Por Trás do Palácio Vivem Menores Drogados e Prostituídos



O sol mal toca o solo pessoense, eles já estão lá. Muitos, e em eterno processo de multiplicação. Uns dormem por lá, não vão nem em casa. Outros esporadicamente visitam a casa da família.

Rua da República é o endereço deles, é ao mesmo tempo, o céu e o inferno. Nele, eles experimentam de tudo. O dinheiro para o tíner, o crack, o álcool, seja por doação ou ameaça; brincadeiras improvisadas, o furto, os tapas daqueles que demarcam seus territórios. Não há solidariedade entre eles. E, assim, eles vão vendo os dias passarem com suas fantasias maltrapilhas e malcheirosas que corrói nariz, pulmão e fígado, estômago, coração e mente; corrói tudo que encontra.

Semana passada fui comprar um material na Rua da República, por volta das 09hs da manhã e saí de lá chorando, com o coração angustiado pela cena. Crianças, adolescentes, que passaram à noite se drogando, dormiam pelas calçadas. Fiquei a pensar: quando cai a madrugada, deve bater a fome, o medo, o frio. Será por isso que eles se amontoam, buscando a proteção do grupo, e desfalecem, como se fossem cadáveres nos campos de concentração nazistas ? Um deles tão magrinho, a pele parecia verde, os lábios roxos. Deve ter a idade do meu filho caçula. Lembrando dos nossos filhos, tão bem tradados e vendo aqueles projetinhos de gente desfalecidos pela droga, não pude conter minha indignação. O modo de viver deles causa também dó e compaixão. Me veio a certeza: isso é descaso. As instituições necessitam ressuscitar, antes que sepultem com elas a dignidade humana. Precisamos urgentemente estabelecer o que é homem e o que é bicho. Onde estão as ONGs ? MPs ? E o ECA ? quem o fará cumprir ? Onde estão os governos que não criam instrumentos de trabalho, inclusão social, para que estes passem o dia e à noite envolvidos em atividades sócio-educativas ? Na verdade, existem centenas de ONGs no mundo inteiro que têm dispensado um tratamento tão especial aos animais que se, igual tratamento fosse destinado aos humanos excluídos, já estaria de bom tamanho.

Ano passado, quando reportava para o Programa Tribuna Cristã ( TV Tambaú ), cheguei bem cedinho à Lagoa ( Parque Solon de Lucena ) para fazer uma reportagem sobre o uso de drogas na adolescência. Acordei alguns meninos e meninas que dormiam debaixo de um quiosque e fui conversar com um deles. Pude perceber que a maioria caiu nessa vida, devido a problemas familiares. Pais alcoólatras que os expulsaram de casa.Outros que foram obrigados pelos pais a cometerem furtos. Confesso que fiquei penalizada.

Após aconselhá-los para o bem, ( mesmo sabendo que aquilo não iria surtir efeito ) perguntei: por que as vezes além de levar os pertences ainda se mata ou fere as pessoas ? Um deles respondeu: É que sem a droga a gente não vive e a gente faz isso pra continuar vivendo, tá ligado”?
E assim é a Rua da República, a Lagoa, a praia. O bosque dos pesadelos das crianças-órfãs de dignidade.